Maior produtor nacional de erva-mate, o Paraná está ressignificando o uso da planta que já foi o principal produto da economia do Estado, e cujo ramo estampa a bandeira estadual ao lado de um galho de araucária. O impulso veio com a certificação de Indicação Geográfica (IG) da erva-mate de São Mateus do Sul, que compreende também a produção dos municípios de São João do Triunfo, Antônio Olinto, Mallet, Rio Azul e Rebouças, localizados na bacia do Rio Iguaçu, na região Centro-Sul.
A IG foi concedida em 2017 pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) à Associação dos Amigos da Erva-Mate de São Matheus (IG-Mathe), após anos de trabalho e pesquisa para reunir a documentação que comprova o diferencial e a tradição da planta. A erva-mate da região de São Mateus do Sul é um dos 12 produtos tradicionais paranaenses certificados com a Indicação Geográfica e que estão sendo abordados na nova série de reportagens da Agência Estadual de Notícias (AEN).
As cidades paranaenses foram as primeiras a conseguir a IG da erva-mate, que posteriormente também foi concedida à produção do Planalto Norte de Santa Catarina. A iniciativa contou com apoio do Sebrae/PR, dentro do projeto Origens Paraná, com participação também da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento e do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná).
A certificação concedida aos produtos de origem considera as especificidades de sua produção ou da região de onde vem. Este é o caso da erva-mate de São Mateus do Sul, que conseguiu o registro na categoria Indicação de Procedência, que leva em conta o “terroir”, ou seja, que atesta que ela vem de um meio geográfico conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto.
Para ter o reconhecimento, as sementes, mudas e plantas de erva-mate precisam ter procedência dos ervais nativos da região e serem produzidas em áreas sombreadas pela floresta de araucária, cedro e imbuia. Atualmente, 30 produtores locais têm a certificação de IG.
A erva-mate está intimamente ligada à memória de São Mateus do Sul, que se tornou município em 1908, período de ouro da exploração do produto no Paraná. A planta nativa do Sul do País, já utilizada antes da colonização por indígenas guaranis, passou a ter grande saída pelo município, que funcionava como uma central de escoamento do produto através dos vapores que navegavam pela antiga hidrovia do Rio Iguaçu, que foi essencial para o sucesso do ciclo ervateiro paranaense.
Segundo o documento que embasa o pedido de Indicação Geográfica junto ao INPI, ao final do século XIX, com a chegada de colonizadores europeus, a colônia chamada São Matheus tinha forte atividade ervateira. O porto, à beira do Rio Iguaçu, fez com que a localidade se tornasse sede, centralizando a atividade da região.
Atualmente, a cidade é a maior produtora de erva-mate do Brasil, status que também é compartilhado com o Paraná. De acordo com a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado respondeu por mais da metade da produção nacional em 2022, colhendo 316,6 mil toneladas da planta. Junto aos demais estados produtores – Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul – a produção nacional atingiu 618,6 mil toneladas.
Liderada por São Mateus do Sul, que colheu 63 mil toneladas no ano passado, a produção dos seis municípios de abrangência da IG chegou a 72,8 mil toneladas, quase 12% da nacional. Somado, o valor de produção nessas cidades foi de R$ 124,8 milhões.
CHÁ, CHIMARRÃO E MENU COMPLETO – Agregar valor à produção de um produto típico é justamente um dos objetivos ao buscar a certificação. “O selo garante ao consumidor que ele terá um produto nativo, seguro, sem uso de agrotóxicos e que desde a lavoura segue um procedimento de manejo com regras de rastreabilidade rigorosas”, explica Kuligovski. “Isso agregou valor à erva-mate certificada com IG. Como a ervateira consegue vender com um preço melhor, ela paga uns 30% a mais ao produtor”.
Agregar valor também significa dar novos usos ao produto. As tradicionais rodas de chimarrão ainda são bastante comuns pelo Paraná e pelo Sul afora, especialmente em São Mateus do Sul, que tem inclusive um local reservado para esse fim: a Rua do Mate, construída com apoio do Governo do Estado e que conta com um chimarródromo, com torneiras com água quente disponíveis para as pessoas se reunirem para matear e prosear. Da mesma forma se mantém relevante o chá mate, que é apreciado dentro e fora do Brasil.
Mas a erva-mate agora está indo além e se tornou matéria-prima para doces, sucos, energéticos e até cosméticos. A ideia é diversificar o uso, também visando a internacionalização do produto. “Estão sendo desenvolvidos vários subprodutos na parte de cosméticos e gastronomia com a erva-mate. O foco principal é ir para o mercado externo, como os Estados Unidos e a Europa, lugares onde realmente os produtos rastreados são reconhecidos e valorizados”, diz o presidente da IG-Mathe.
Em São Mateus do Sul, o restaurante Veneza e o Zalipie Café e Floricultura incorporaram o ingrediente em seu cardápio. “Quando a região recebeu a certificação, pensamos em fazer algo diferente e colocamos no cardápio o suco e o mousse de erva-mate, que são servidos diariamente há seis anos e são bastante apreciados”, conta o proprietário do restaurante Veneza, Aroldo Ferreira.
Já o Zalipie criou um menu de experiência só com comidas com erva-mate, que está presente no tererê no copo, no capuccino, em pães, brigadeiro e em um bolo com massa verde batizado de green velvet, em alusão ao famoso red velvet. “Colocando no menu a gente viu a oportunidade de ajudar a engrandecer a IG, o nosso ouro verde que é a erva-mate. As pessoas vêm pela curiosidade, porque só conhecem a erva para o chimarrão, e têm se surpreendido com o sabor”, afirmou o proprietário do café, Anderson Nora.
INDUSTRIALIZAÇÃO – Além dos novos usos, o principal produto da erva-mate não fica de fora. Quatro ervateiras da região são certificadas – Baroneza, Baldo, Maracanã e Taquaral – e utilizam o selo da IG na comercialização de erva para chimarrão, tererê e também no chá-mate. E assim como os produtores precisam seguir à risca as determinações para o cultivo, as indústrias também precisam estar adequadas às boas práticas de fabricação para garantir a segurança sanitária e a rastreabilidade do produto.
Instalada no município desde 1993, mas trabalhando com produtores de São Mateus do Sul desde o início da empresa, na década de 1920, a gaúcha Baldo também utiliza um processo mais tradicional de manufatura, fazendo a secagem por esteiras, semelhante ao chamado cancheamento. Neste processo, historicamente utilizado pelos produtores da região, a moagem da planta é feita em uma cancha, uma espécie de roda por onde passava triturador de madeira sobre o produto após a secagem.
Junto ao cultivo sombreado, isso confere características únicas ao produto, com uma erva diferenciada por sua suavidade. “A participação na IG foi um movimento interessante para nós. Primeiro, porque o ‘saber fazer’ era algo que já tínhamos e reconhecíamos na região esse histórico, e que de alguma forma repetimos em escala industrial”, explica Leandro Gheno, vice-presidente da Baldo S/A.
Com uma produção voltada principalmente para os mercados argentino e uruguaio, a Baldo aposta na IG para justamente conquistar o mercado brasileiro. “Temos a tradição de produzir uma erva estacionada, que fica em repouso por até um ano antes de ser utilizada e vem também de um processo de secagem lento, da forma como se consome no Uruguai e Argentina”, explica Gheno.
VOCAÇÃO REGIONAL – Assim como a certificação do INPI identifica e reconhece as regionalidades de determinados produtos, o Governo do Estado também trabalha para que produtos típicos paranaenses sejam valorizados e possam conquistar novos mercados. Esses estão entre os objetivos do programa Vocações Regionais Sustentáveis (VRS).
O programa é da Invest Paraná, agência de negócios do Governo do Estado, vinculada à Secretaria da Indústria, Comércio e Serviços, com apoio do IDR-Paraná e a Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ele incentiva as cadeias de valor e busca abrir mercados a produtos típicos paranaenses, produzidos de forma sustentável e de maneira tradicional. A erva-mate é a maior cadeia produtiva atendida pelo VRS, com 14 municípios da região Centro-Sul.
A iniciativa busca capacitar os ervateiros para melhorar os processos de produção e também incentiva a diversificação dos produtos. A ideia é promover o fortalecimento da cultura, para que produtores e agroindústrias se reúnam em cooperativas e associações para ampliar a oportunidade de ganho de mercado, principalmente internacional.
Nesse sentido, um dos incentivos do programa é levar os produtores e a erva paranaenses para feiras nacionais e internacionais. “Queremos movimentar a cadeia, mostrar aos agricultores a possibilidade de criar novos produtos e adotar novas formas de fabricação que melhoram a qualidade e a produtividade da erva-mate paranaense, que já é referência para o País”, explica Daniele Ukan, professora no curso de Engenharia Florestal da Unicentro, especialista em erva-mate e consultora da VRS Mate.
O VRS trabalha com diferentes públicos de produtores, não apenas os certificados, mas destaca que a IG ajuda a posicionar e atestar a qualidade do mate paranaense. “O cultivo é diferenciado e tem um potencial de ganho financeiro e de mercado muito grande. O processo está bem consolidado e alavanca o produto”, afirma a pesquisadora.
SÉRIE – O Paraná é o terceiro estado com o maior número de produtos de origem certificados, atrás apenas de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. São 12 ao total: o café do Norte Pioneiro, o mel de abelha de Ortigueira, as uvas finas de mesa de Marialva, a goiaba de Carlópolis, o melado de Capanema, o queijo da Colônia Witmarsun, o mel de abelha do Oeste do Paraná, a bala de banana de Antonina, o morango do Norte Pioneiro, os vinhos de Bituruna, o barreado do Litoral do Paraná e a erva-mate de São Mateus do Sul.
Veja o vídeo: